segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Canções e poemas

Não tinha móveis em casa. Nem uma cama, nem um sofá, nem um armário de espelhos no banheiro. Nada. Nunca os tivera. Gostava da casa assim. Vazia. Era tão livre que não se deixou prender nem pelos móveis. Dividia seu espaço apenas com um colchão inflável, pilhas de livros, uma TV, um aparelho de DVD, um som antigo e o baú. Sorria sempre que entrava lá. Era sempre bem-vinda.

Havia também a parede das fotografias: os pais, os amigos, os lugares, os momentos e ele. Claro, há sempre um ele. Estavam juntos há tanto tempo, há tantos anos que pareciam não lembrar. Mas ele sabia o dia, o mês, o ano e, quem sabe, a hora em que tudo começou. E ela sabia, com todos os detalhes, o exato momento. Lembrava-se bem dele dobrando a barrinha de sua camisa preta para segurá-la diretamente pela cintura e da voz dele dizendo cuidado quando ela tropeçou. Foi há muito tempo mesmo, pensava ela sem pesar, sem orgulho, apenas com amor.

Tinham um amor mudo, desordenado. Ele parecia ter medo de admitir que gostava dela porque ela estava sempre indo embora. E ela estava sempre indo embora porque ele nunca a pediu pra ficar. Viviam assim, então. Viam-se apenas em alguns finais de semana, em que ela abria a porta de casa e ele também se sentia bem-vindo. Terminaram e reataram dezenas de vezes sem nenhuma palavra. Ele simplesmente não aparecia na sexta à noite ou, então, quando a saudade batia, tocava a campainha, ela abria a porta e lá estavam eles, juntos novamente.

Ninguém nunca os imaginou juntos. Não pareciam feitos um pro outro ou mesmo que combinavam. Nem mesmo todos os anos foram capazes de apagar essa impressão. Mas ela sabia que o amaria pra sempre, mesmo quando um ou outro fosse embora de vez, e que voltaria sempre pra ele, bastava ele tocar a campainha.

No fundo, eram parecidos. Ela gostava de filosofia e ele, de saber como tudo funcionava. Ela trocava as lâmpadas e ele matava as baratas. Ele tocava guitarra e ela escrevia contos. Não eram opostos nem complementares. Sabiam-se livres e presos um ao outro. Um dia, participariam do Amazing Race e seriam ótimos pais. Como nunca faziam planos, não podiam dizer se seria juntos ou separados. A vida dela era um poema e a dele, uma canção. Mas a poesia dela precisava do barulho dele. E a música dele precisava da melodia dos versos dela.